Segunda-Feira, 19 de maio de 2025

Postado às 08h45 | 19 Mai 2025 | redação Desvendando o sono: Pesquisadores descobrem rastros cerebrais dos sonhos lúcidos

Crédito da foto: Reprodução Pesquisa revela como a consciência pode surgir mesmo durante o sono profundo

Por Paiva Rebouças / Especial UFRN

Durante séculos, sonhar foi como assistir a um filme sem controle remoto. Mas existe uma exceção: os sonhos lúcidos. Neles, a pessoa percebe que está sonhando e, às vezes, interfere no enredo. Uma equipe com 18 cientistas internacionais, entre eles Sidarta Ribeiro e Sérgio Mota-Rolim, do Instituto do Cérebro (ICe/UFRN), decidiu investigar o que acontece no cérebro nesse momento raro.

O grupo reuniu dados elétricos coletados durante o sono, registrados em pesquisas conduzidas na Holanda, Alemanha, Suíça, Itália, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil. O estudo, publicado na JNeurosci, analisou 43 sessões com 26 participantes que sabiam identificar o instante de lucidez em seus sonhos.

Os cientistas localizaram os rastros da consciência durante o sono. Quando o cérebro “acorda” dentro do sonho, a atividade elétrica muda de padrão. As conexões entre áreas distantes se intensificam, como se diferentes setores de uma cidade passassem a se falar por linhas diretas. As faixas de frequência alfa (entre 8 e 12 hertz) e gama baixa (de 30 a 36 hertz) ganharam força em termos de conectividade.

Já a atividade beta (de 12 a 30 hertz), que regula percepção e movimento, diminui em certas áreas do hemisfério direito, especialmente nas regiões ligadas à noção do corpo. No instante em que a pessoa percebe que está sonhando, uma área chamada precuneus fica mais ativa — essa região é fundamental para a memória e a autoconsciência. Comparado ao estado de vigília, o cérebro lúcido desacelera sua atividade elétrica em boa parte do espectro, variando entre 8,78 e 45 hertz. Em outras palavras, o sonho lúcido parece ter sua própria assinatura cerebral distinta.

Em vez de seguir um caminho fechado, os cientistas optaram por explorar os dados de forma ampla. Investigaram todas as frequências cerebrais, analisaram diferentes regiões do cérebro e compararam o estado lúcido com o sono REM (Rapid Eye Movement, ou Movimento Rápido dos Olhos) comum e com a vigília. Essa estratégia revelou detalhes que escaparam a estudos anteriores.

Parte das pesquisas passadas atribuiu certos padrões cerebrais à lucidez, mas na verdade captavam interferências causadas por movimentos involuntários dos olhos. Esses pequenos espasmos geram picos elétricos nos registros — parecidos com estalos em um disco de vinil. Para evitar essas distorções, a equipe desenvolveu um protocolo inédito de limpeza de dados, em três etapas, que funcionou mesmo com poucos sensores. Isso permitiu reunir dados coletados com equipamentos diferentes, em vários países, e transformá-los em um único conjunto coerente para análise.

 

Pesquisa mostra que o cérebro pode reorganizar suas conexões

O Eletroencefalograma (EEG), aparelho usado na pesquisa, registra a atividade elétrica cerebral por meio de sensores no couro cabeludo. Os dados vieram de diferentes tipos de equipamentos. Cada participante, ao perceber que estava sonhando, movia os olhos duas vezes para cada lado — um gesto conhecido como LRLR (Left-Right-Left-Right ou Esquerda-Direita-Esquerda). Esse movimento funciona como um farol: avisa aos cientistas que o cérebro entrou no modo consciente.

Para garantir que os dados não fossem confundidos com ruídos ou artefatos, os autores criaram um protocolo em três etapas. Aplicaram um filtro para ruído elétrico, uma reconstrução dinâmica que detecta e corrige anomalias e, por fim, uma projeção que separa sinais reais dos falsos. O sistema funcionou mesmo em gravações com poucos sensores.

Esse é o maior conjunto de dados sobre esse tipo de sonho já analisado com EEG. A pesquisa mostra que o cérebro pode reorganizar suas conexões de forma consciente mesmo durante o sono profundo. O estudo contribui para entender como surgem processos como a percepção do eu e o controle intencional em estados alterados de consciência. Abre novas possibilidades para pesquisas com meditação, substâncias psicodélicas, anestesia e no tratamento de distúrbios como os pesadelos recorrentes.

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