Quinta-Feira, 25 de abril de 2024

Postado às 08h20 | 21 Nov 2016 | Cesar Santos Juiz Marlon Reis: 'O caixa existe 2. A diferença é que agora dá para perceber'

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Juiz de direito com atuação no Maranhão. Advogado por natureza. Um dos idealizadores e redatores da Lei da Ficha Limpa e raciocina que a lei veio para alterar algo tido como vicioso no meio eleitoral. A ponto de afirmar que é um dos aspectos interessantes no novo Código de Processo Civil.

Nesta entrevista concedida na tarde da quinta-feira, 17, antes de sua participação em evento coordenado pelo juiz José Herval Sampaio Júnior, realizado em Mossoró, Márlon Reis afirma que o CPC tem inovações que devem ser levadas em considerações, principalmente, por estudantes de Direito e que se interessam pelo Direito Eleitoral.

Márlon também fala sobre reforma política, eleições, financiamento de campanha e, obviamente, acerca da vitória do empresário Donald Trump nos Estados Unidos e o que o quadro pode afetar o Brasil. Acompanhe abaixo:

Por Edilson Damasceno - Fotos: Allan Pablo

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O que muda, no mundo jurídico, com o novo Código de Processo Civil? O que os advogados devem ficar atentos para a nova realidade?

Estamos chamando a atenção da comunidade jurídica, especialmente para a aplicação do novo Código de Processo Civil ao Direito Processual Eleitoral. O CPC de 2015 se aplica com expressa determinação legal, de forma supletiva e subsidiária ao Direito Eleitoral, ao processo eleitoral propriamente dito. Então, são muitas inovações. Muitas medidas que acarretam transformações na atividade cotidiana do advogado, do promotor e do juiz, e que por isso todos devem estar muitos atentos.

 

EXISTE uma discussão grande sobre a Ficha Limpa...

A LEI da Ficha Limpa já barrou mais de 1.200 pessoas, que foram impedidas. Para se ter uma ideia, no Distrito Federal não existe um grande líder que não esteja impedido de participar das eleições. Em vários estados, inclusive aqui no Rio Grande do Norte, muitos foram detidos. Uma coisa é a pessoa conseguir chegar no dia da disputa eleitoral; outra coisa é ela, de fato, ter mandato... Mais na frente vai cair. Hoje (quinta-feira) o doutor Herval (juiz José Herval Sampaio Júnior) me dava exemplo de Baraúna, onde nas últimas seis eleições nenhum prefeito chegou ao final do mandato. Então, é para isso que vão servir leis como a Ficha Limpa. Ela pode não surtir de imediato na data da eleição, mas depois o mandato é perdido. Agora, acho que seria melhor que a lei determinasse um processo prévio de registro. Aquele que gostaria de ser candidato deveria pleitear o reconhecimento da aceitabilidade da candidatura e só depois participaria da convenção. Aí não haveria essa polêmica, porque a Justiça já teria dito quem, efetivamente, poderia participar. O problema que acontece hoje é que o registro (de candidatura) já é feito na data que começa a campanha e ninguém sabe se o registro será deferido ou não.

 

marlon-reisA GRANDE questão seria o transitado em julgado?

ISSO já foi superado pelo Supremo Tribunal Federal. Não se aplica a presunção de inocência ao Direito Processual Eleitoral.

 

ENTÃO, esse fator da Ficha Limpa seria um dos fatores que devem ser levados em consideração pelos advogados diante do novo CPC?

COM certeza. Essa é a principal transformação proporcionada ao meio eleitoral, pela Lei da Ficha Limpa, que é a supressão da aplicação de princípios próprios ao Direito Penal, como por exemplo a Lei da Presunção de Inocência e o Princípio da Irretroatividade da Pena. Os dois princípios foram afastados pelo STF, que garantiu ampla eficácia à Lei da Ficha Limpa.

 

ATÉ que ponto um juiz deve temer, ou não, a interferência das redes sociais em decisão que pode alterar a rotina de uma cidade?

O JUIZ é revestido de garantias constitucionais, como a inamovibilidade, que é a impossibilidade de ele ser retirado do local de trabalho e ser transferido para outro. A não ser com a concordância dele. Também tem a vitaliciedade, que é justamente para evitar que líderes políticos interfiram, que pessoas poderosas interfiram e possam retirá-lo do cargo. E também tem a irredutibilidade de vencimentos, para garantir estabilidade econômica para o juiz. Tudo isso para que ele possa agir da maneira mais independente possível. Ele não deve se dobrar à força da mídia. Não deve se dobrar à força do capital e dos poderes políticos. O juiz deve ser imparcial. Ser imparcial não é ser neutro. Ser imparcial é se retirar do interesse das diversas partes, por exemplo das que disputam o processo eleitoral, e tomar decisões em nome do Estado da maneira mais racional possível. Esse deve ser o posicionamento do juiz.

 

AS NOVAS regras do CPC implicam quais mudanças mais drásticas no Direito Eleitoral?

UM BOM exemplo é o do princípio processual da não surpresa. Não se pode tomar decisões sem permitir que as partes façam alegações a respeito do tema antes que o julgamento seja proferido. Isso precisa ser observado com muito mais cautela agora, graças ao novo CPC. Se o juiz decide extinguir o processo por uma questão técnica, ele não pode fazê-lo sem dar às partes a oportunidade de contra-argumentar. Esse é um bom exemplo cultural do novo CPC que afeta o Direito Processual Eleitoral. Temos também a prestação de contas, que neste ano foi feita quase em tempo real: 72 horas depois de cada doação é o prazo máximo para se fazer registro da movimentação financeira. Então, ficou mais fácil identificar o caixa 2. Até as eleições passadas, era impossível saber. Agora ficou mais evidente.

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O FINANCIAMENTO público seria a saída?

DEFENDO que o financiamento tenha as mesmas matrizes que tem hoje, com a possibilidade de doação individual. Entendo que o limite da doação individual deveria ser mais baixo para cada um fazer doação, como forma de participação política, e não uma maneira de se tornar padrinho de uma forma de ganhar uma campanha. Além disso, defendo que haja mudança na maneira como é definido o limite máximo em cada cidade. Deveria ser um valor fixo pelo eleitor e multiplicado pelo total de eleitores e assim se definiria. Curiosamente, temos cidades pequenas com valores muito maiores do que cidades maiores. Deveria-se ter racionalidade maior, havendo uma proporção direta sobre o número de eleitores e o total de gasto admitido.

 

ENTÃO, pelas palavras do senhor, a questão do caixa 2, apesar de a Justiça Eleitoral estar centrada sobre esse fator, poderia existir?

O CAIXA 2 existe. Fui um ardoroso defensor da proibição das contribuições empresariais e nunca disse que o caixa 2 deixaria de existir. Só que agora está mais visível. Não pode um candidato declarar que gastou R$ 200 mil e fazer uma campanha multimilionária. Aí implica que há o caixa 2 e a diferença é que agora dá para perceber, pois temos limite de gasto e temos também a prestação de contas, que neste ano foi, pela primeira vez, quase que em tempo real. Então se tornou. Deve ser um valor fixo por cada eleitor e multiplicado pelo total de eleitores de cada cidade. E assim se definiria. Mas não é assim. Curiosamente, temos cidades pequenas que têm limites de gastos maiores do que cidades maiores. Então, deveria ocorrer a proporção entre o número de eleitores e o volume de gasto admitido.

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PARA os alunos do curso de Direito e que têm interesse na seara eleitoral, o que pode ser dito?

EU DIRIA que aproveitem o fato de que agora há uma doutrina relevante na matéria do Direito Eleitoral. Há poucos anos, eram parquíssimos os títulos nessa matéria. Mas o tema ganhou muita relevância e eu também recomendo a leitura de decisões históricas, dos clássicos do Tribunal Superior Eleitoral, mas que marcarão para sempre essa virada que tem sido nos últimos anos em matéria eleitoral. O Direito Eleitoral não tinha importância quase alguma até o final da década de 1990. Mas chegamos a 2016 com esse ramo ganhando ares de descentralidade no debate público.

 

O RECENTE impeachment da presidente Dilma Rousseff acelerou a discussão em torno da reforma política. O senhor acredita que a reforma sairá?

OLHA... Acredito que sim e espero que sim. A sociedade cobra. O Congresso Nacional sabe que é inadiável, e mais: tentou-se muito fazer alguns arremedos de reforma política, mas ela nunca aconteceu: minirreformas eleitorais. Mas o que precisamos mesmo é de uma mudança do sistema político para atingir os seguintes valores: igualdade de condições de disputa entre os candidatos, elevação da qualidade do debate, que deve ser mais pragmático e menos centrado na pessoa dos candidatos, e também algo que é fundamental, que é a redução bastante drástica dos custos das eleições.

 

O SENHOR concorda que as campanhas eleitorais ocorram em um mesmo período?

SOU radicalmente contra. Primeiro, porque isso implicaria passarmos vários anos sem eleição alguma. Isso deseduca. Eleição tem que estar na vida das pessoas. As pessoas precisam ter participação política. É preciso que tenhamos mais plebiscitos e referendos, mais eleições e mais votações. Não menos. Menos eleição é igual a menos democracia. Ou, pelo menos, educação para a democracia. Sou contra a unificação porque as eleições municipais são marcadas pelo clientelismo. O candidato a vereador vai praticamente buscar o eleitor na sua casa para votar. Se unificarmos todas, esse clientelismo que marca as eleições municipais vai impactar, de maneira ainda mais decisiva, até a eleição do presidente da República. Então, precisamos separar as eleições: cada um com seu perfil.

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O ALTO índice de abstenção nas eleições passadas levantou um debate sobre a obrigatoriedade do voto...

SOU a favor da continuidade da obrigatoriedade. Se tivéssemos voto facultativo, nós diminuiríamos muito o número de participantes na política e ficaria mais fácil monitorar o voto de cada pessoa. Imagine alguém que quer um voto e sabendo que tem muito menos eleitores dispostos em ir à urna, ele vai em busca de alguém disposto, exige a prova de que essa pessoa compareceu e depois verifica se o voto apareceu naquela sessão. Vai ser muito mais fácil manipular e, por isso, ficaria facilitada a compra de voto.

 

UMA das grandes discussões da atualidade diz respeito à eleição dos Estados Unidos, da vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton. O senhor acredita que isso terá implicação no cenário brasileiro?

ACREDITO que sim. A eleição de Donald Trump me deixou assustado. Como, aliás, praticamente todo o mundo ou todo o Ocidente. O certo é que os Estados Unidos fizeram uma opção que não é simplesmente conservadora; é extremamente reacionária. Espero que as instituições democráticas norte-americanas, que já mostraram sua força, sejam capazes de limitar o comportamento de Donald Trump. Porque se ele concretizar um terço do que ele prometeu, nós teremos um colapso global. Imagine três milhões de pessoas sendo retiradas à força dos Estados Unidos. Só esse número, começa uma guerra civil. Por outro lado, temos que no Brasil possamos eleger o nosso Donald Trump... Não me arrisco a dizer quem será. O eleitor pode pensar, mas nós não devemos fazer o mesmo. Os Estados Unidos deram um passo no escuro. O Brasil não pode fazer isso. Tem que votar com racionalidade em busca de um líder que seja realmente capaz de conduzir um debate global entre as diversas partes que tem que se sentar à mesa da presidência da República, e não venha com discurso de ódio, pregando a divisão entre os grupos sociais.

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